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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Por que estudar Cálculo e Álgebra na Computação?

A nem sempre fácil relação entre estudantes e Matemática
Uma pergunta que intriga estudantes de Ciência da Computação em todo o mundo: porque estudamos tanto Cálculo, Álgebra, Estatística e eventualmente outras disciplinas da Matemática?

De fato, a imagem que um computeiro (não conheço expressão melhor) faz de si mesmo, bem como a que as pessoas usualmente fazem dele, é a de um expert em algoritmos. E, portanto, também em todo o ferramental técnico e teórico para lidar com eles. Por exemplo, hardware de placas (de rede, gráficas, de processamento, motherboards, etc) e suas características técnicas, protocolos de redes, técnicas de organização de dados e sistemas, engenharia de software, etc..

Claro que todo esse arcabouço científico é fundamental para um computeiro. Mas é necessário se ter em mente que a Universidade busca formar um Cientista, afinal de contas. O objetivo não é que o estudante deixe a Universidade como desenvolvedor de sistemas, administrador de redes ou de banco de bados. Embora evidentemente estas possibiulidades não estejam excluídas, o que se oferece ao estudante vai além. Forma-se um Cientista. E, como cientista, é necessário se conhecer ao máximo – respeitado o limite de espaço dos anos de graduação- as ferramentas da Ciência.

É aqui que entra o argumento principal: Matemática é uma excelente – talvez a melhor – ferramenta que a Ciência possui.


Para entender isso, é necessário entender que a Ciência, para lidar com fenômenos que precisam ser estudados e compreendidos, tipicamente faz uso de modelos. Isto se dá porque descrever qualquer fenômeno em todas as suas características, complexidades, particularidades e riqueza de detalhes é virtualmente impossível. Sem modelos, a Ciência não avançaria.

Assim os cientistas criam modelos simplificados, que preservem características importantes do objeto a ser estudado, ao tempo em que são tratáveis metodologicamente em observações, experimentos e conclusões. Biologia, Economia, Meteorologia, Geologia, Sociologia, Química, Física, etc. Em todas essas atividades os cientistas se utilizam de modelos para representar os fenômenos que desejam estudar. Não seria possível avançar muito nas pesquisas se não fosse assim.

Ora: o métier da Matemática é exatamente a descrição de modelos. Pessoalmente, eu gosto de dizer que a Matemática é a mais humana das ciências, já que não há nenhum elemento descrito ali que de fato se encontre na Natureza.

Por exemplo, não existem retas matematicamente paralelas realmente. Aliás, provavelmente nem retas existem. Não existe nenhum triângulo exatamente retângulo (não há nenhum ângulo matematicamente reto) no mundo real. Provavelmente não há nenhum triângulo de qualquer tipo, além daqueles formulados em conceitos matemáticos, que habitam apenas o cérebro dos homens. E, assim como as retas paralelas e os triângulos, também é com tudo o que se estuda em Matemática: são sempre objetos formais idealizados, que existem apenas no domínio do Humano, sem respaldo concreto na Natureza.

Não por acaso, muitos cientistas e filósofos da Ciência tratam Matemática como um caso à parte: seria uma Meta-Ciência, ou uma Ciência sobre outras Ciências. É esta sua (inestimável) utilidade, afinal.

Não obstante, a pergunta, incômoda, permanece, agora numa formulação ainda mais aguda: “Para que serve Matemática, então? Porque estudar coisas que, na prática, não existem?

A resposta, muito simples, recorre ao que foi exposto acima: usamos Matemática para podermos lidar cientificamente com os fenômenos que observamos na Natureza. Por exemplo, não são necessários grandes exercícios de retórica para se concluir que planetas efetivamente não são esféricos. Não obstante, em muitos estudos astronômicos, eles são tratados como se  fossem. Porque fazer isso?

Ocorre que, apesar de não serem esféricos, os planetas, em muitos aspectos, se aproximam de esferas. Assim, para uma série de estudos (não todos, evidentemente), os planetas se comportarão de maneira suficientemente semelhantes às esferas.

É daí que os cientistas tiram proveito do Modelo da Esfera para os planetas. É que as propriedades das esferas estão muito adequadamente bem definidas pelos matemáticos. Desta forma, emprestando propriedades estudadas e definidas para as esferas, pode-se estudar muitas coisas sobre os planetas.

Não é difícil imaginar que, assim como na Astronomia, em muitas outras ciências uma série de fenômenos são estudados usando metodologias similares, tendo Matemática como suporte.

E em Ciência da Computação não é diferente.

Quando estudamos fenômenos ou modelamos comportamentos que desejamos tornar algoritmos (este é o métier da nossa ciência), frequentemente nos deparamos com problemas difíceis de equacionar. Por exemplo: como definir uma linguagem que permita gerenciar efetivamente massas de dados distribuídas em relações associadas entre si? Como estimar e tratar a variação da interação dos jatos de dados produzidos nas placas de rede Ethernet? Como modelar o comportamento de nós autônomos em sistemas distribuídos? Como permitir que processos operem bloqueando recursos computacionais uns dos outros? Como estimar o consumo de espaço e/ou tempo usado por programas de computador? Como garantir a eficácia das respostas produzidas por algoritmos de aprendizagem e de busca?

As respostas a cada pergunta passam, respectivamente (mas não exclusivamente), por Álgebra, Diferenciação, Integração, Grafos, Cálculo e Estatística.

Disciplinas da Matemática.

Este arrazoado é suficiente para se entender o porquê de se estudar Matemática em Ciência da Computação. Não obstante, naturalmente ainda restam aos estudantes uma série de questionamentos mais pragmáticos, por assim dizer. Questões tão salutares quanto imprevisíveis.

Algumas, porém, podem ser antecipadas e, talvez, respondidas. Senão vejamos.

É realmente necessário se conhecer todos os aspectos Matemáticos da Computação ainda no nível de graduação?” – Não se iludam: os estudantes não são apresentados a todos os aspectos relevantes da Matemática para a Ciência da Computação. O que se vê em cursos de graduação é apenas a ponta do Iceberg.

Porque estes aspectos matemáticos relacionados aos conhecimentos de Ciência da Computação não são mostrados claramente nas disciplinas?” – Às vezes eles são, e às vezes eles não são. Isto depende de uma série de fatores, como os planos de curso, a ementa das disciplinas e as opções didáticas dos professores. Além, é claro, da carga horária. Mas é importante observar: o fato de não aparecerem claramente nas aulas não significa que não estão lá. Os bons livros das disciplinas – qualquer que seja a disciplina – sempre trazem este arcabouço matemático convenientemente discutido e justificado. Livros são ótimas companhias.

Porque Cálculo e Álgebra são apresentadas de maneira geral, desvinculados dos conteúdos específicos da área de Computação?” – Por vários motivos, mas o principal é a logística: as Universidades de modo geral, e os institutos, faculdades ou colegiados de Ciência da Computação de modo particular, não possuem professores em quantidade suficiente para abraçar estas disciplinas. É mais simples fazer isso com professores especializados, oferecendo para vários cursos uma série de conteúdos razoavelmente relevante para todos. Além disso, muitas vezes falta, aos professores de Computação, a formação didática específica e o profundo conhecimento do conteúdo em Matemática que é necessário para lecionar as disciplinas.

Apesar de darem suporte à Ciência da Computação, o estudante realmente tirará proveito desta quantidade de Cálculo e Álgebra que estudam no curso?” – Não dá para saber. É possível que não. Mas, se seguir uma carreira como pesquisador (Cientista da Computação), provavelmente tirará proveito, sim. E ainda precisará estudar mais. Em Banco de Dados, em Inteligência Artificial, em Engenharia de Software, em Redes de Computadores (Sistemas Distribuídos), ou em qualquer outra área. Há um grande arcabouço matemático que permite se modelar e se estudar cada uma dessas disciplinas. Como pesquisador, é necessário conhecer a fundo o seu objeto de estudo e, para isso, há que se entender os modelos.

Ou seja, queridos estudantes de Ciência da Computação: não dá para fugir da realidade. Estamos mergulhados em Ciência da Computação. Logo, em Ciência.

Logo, em Matemática.

13 comentários:

  1. Tudo muito lindo, tudo muito interessante. Mas o que fazer quando o aluno se depara com um curso mal estruturado, com material deficiente e um professor que simplesmente joga o conteúdo matemático na cara do aluno dizendo-lhe "vire-se"? Sim, já presenciei isso e fui vítima de uma atitude dessas no meu mestrado. Sob a frágil e míope desculpa de que aluno de mestrado é pesquisador e tem que se virar sozinho, o professor da disciplina de Modelagem Computacional de um mestrado interdisciplinar (ou seja, voltado a alunos oriundos de várias áreas, inclusive de algumas tão distantes da matemática quanto Letras e Direito) exime-se da responsabilidade de prepará-lo para o tamanho do desafio que lhe está impondo. O inevitável resultado são alunos desmotivados, notas baixas, desistências e queda na qualidade do curso e de seus egressos, tudo com o beneplácito da coordenação, que faz vista grossa ao problema porque não é avaliado pela CAPES nesse quesito. Lamentável.

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    1. É verdade, anônimo.

      A quantidade e a qualidade da matemática que é apresentada, e como, e quando, precisa estar na alça de mira dos docentes.

      E nem sempre existe a preocupação e a qualificação necessária.

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  2. Perfeito.
    Eu sempre digo para meus amigos Ciência da Complicação, quando se vai perceber matemática e bem mais complexa.

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  3. Bacana demais. Do meu ponto de vista algebra (mais que cálculo talvez) é essencial na computação. O entendimento realmente ajuda a resolver problemas futuros com menor número de linhas de código :) Apesar de ter feito cálculo e álgebra não sou formando em ciências da computação, contudo, quero fazer o POSCOMP e estou me preparando. Por favor, poderiam me indicar uma boa bibliografia de álgebra para se estudar sozinho? Obrigado!

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  4. Não serve de nada para a grande maioria dos formados em ciência da computação. Faculdade não é ensino médio, não deveria nos "preparar", para futuros problemas que a maioria nem vamos buscar, essas matérias deveriam estar em pós graduação e doutorados, sempre que o aluno se interessar por ser especializar em alguma área que exija tais conhecimentos. ë a velha historia, do ensino médio, aplicada na faculdade que no ensino médio se aprenda de tudo um pouco é perfeitamente cabível, porém na faculdade é ridículo, deveriam formar a pessoa na computação em algo que é essencial para a área, algoritmos, linguagens, banco de dados, inglês etc etc, agora nos empurram guela abaixo calculo, GA, entre outras matéria com a intenção de que reproves, a média de reprovação de calculo é do 70%. Estou me formando, já perguntei a varios formados para que usam calculo em sua s profiçoes, e todos dizem o mesmo discurso, que sim que é importante, daí mostro para eles limites de calculo 1 o mais simples e não sabem resolver, sabem porque? Porque não usam para nada, em computação se usa matemática básica e não essas porcarias que colocam em calculo por exemplo e os 60 mil teoremas que vc deve aprender para tentar ter uma chance de passar de primeira. Por certo estou cursando o curso de Ciência da Computação na PUC. Quem duvide do que afirmo, vá até um formado que trabalhe na área de TI, faça a pergunta magica, depois de escutar o discurso, ponha a prova com os cálculos básicos de limites por exemplo, e veremos se ele sabe resolver ao menos 1.

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    1. Percebesse que nem mesmo português tu dominas. "profiçoes"

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  5. Veja bem, pra começo de conversa o Calculo mudou o mundo, agilizo a visão do homem a respeito de diversos aspectos da natureza(Newton: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural) e serviu de arcabouço básico pra Revolução Industrial, conhecimento matemático é poder puro. No entanto ainda é ensinado de forma desvincula, isolada de suas aplicações praticas (ou físicas, solidas), é dada de forma virtual, como joguinhos chatos para serem resolvidos, é isso que acontece na prova, decoramos algumas regras, mas isso não se torna um conhecimento profundo, pois não esta enraizado a aplicações praticas, contextualizadas com o curso, tão importante quanto aprender os conceitos é a aprendizagem da aplicabilidade, da vinculação de tais conceitos matemáticos a problemas relacionados, íntimos da área de Ciências da Computação, e essa vinculação é extremamente vasta, porem parece que esqueceram de colocar isso na ementa, lamentável.

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  6. Não seria então mais razoável oferecer, por exemplo, cálculo 3 só em mestrados/doutorados onde realmente se faz necessário a utilização dessas ferramentas, do que na graduação?

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    1. Concordo, creio que eles vão muito a fundo, muitos não tem intenção de serem cientistas...

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  7. Muito bom! Tive muitas dúvidas e ao ler este artigos, todas foram respondidas. Parabéns!

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